Solo mineiro é menos frágil que o da Serra do Mar, mas ocupação aumenta ameaça |
Thiago Lemos - Repórter - Jornal Hoje em Dia
Autoridades estaduais desconhecem as áreas sujeitas a deslizamentos de terra em Minas Gerais. De acordo com geólogos, falta um mapeamento dos locais de risco. O estudo seria instrumento fundamental para evitar tragédias em regiões montanhosas onde há ocupações urbanas. A Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) alega que cada município é responsável pelo levantamento – que nem todos fazem –, mas o órgão não concentra essas informações. Em Minas, 667 cidades têm Defesa Civil, mas apenas 200 funcionam efetivamente.
Segundo análises isoladas de especialistas, Nova Lima, Ouro Preto, Timóteo, Belo Horizonte e parte do Norte de Minas estão propensas à ocorrência de deslizamentos. No entanto, especialistas descartam a possibilidade de algo parecido com o desastre na Região Serrana do Rio de Janeiro, por causa da diferença dos tipos de solo dos dois estados.
Além do perfil montanhoso, essas cidades mineiras têm significativos aglomerados urbanos em encostas. Para o professor da USP e membro da Sociedade Brasileira de Geologia (SGB) Edilson Pissato, a solução para evitar tragédias, de maior ou menor proporção, é o mapeamento geotécnico das regiões antes que elas sejam ocupadas e a implantação de políticas de uso do solo adequadas. O objetivo é evitar construções ou a permanência de pessoas em áreas de risco.
O engenheiro civil Euler Magalhães da Rocha, superintendente do Instituto de Tecnologia de Prevenção de Desastres Naturais (ITPD) de Minas Gerais, entidade filiada à UFMG, também critica a falta de um programa de prevenção mais amplo que, além de contemplar áreas já afetadas, impeça ocupações onde há risco de deslizamentos. Para o professor, se o Estado instaurasse hoje um projeto de prevenção com o mapeamento em todas as regiões, em cinco anos seria possível erradicar mortes em consequência de deslizamentos de terra.
Ocorrências variam de acordo com o solo
O especialista Edilson Pissato explica que enquanto o problema no Rio de Janeiro é relacionado à geologia, em Minas Gerais as ocorrências dessa natureza estão ligadas à ocupação desordenada, o que deixa os locais sujeitos a deslizamentos. “Construções em encostas costumam remover a cobertura vegetal do terreno e acabam por bloquear os canais por onde a água deveria escorrer. Assim, essa urbanização desordenada, com cortes inadequados nos barrancos e falta de drenagem, por exemplo, induzem a movimentação de terras”.
No Rio de Janeiro, explica Edilson, os desabamentos aconteceram, na maioria, em áreas de encostas com camadas pouco espessas de terra, característica de regiões de Serra do Mar, que vai de Santa Catarina ao Espírito Santo. As regiões são íngremes, o solo é mais fino, com no máximo um metro de espessura, e abaixo está a camada de rocha.
Na região também há acúmulo de umidade, pois as serras impedem a circulação das nuvens. Com chuva intensa e permanente durante todo o Verão, o solo fica poroso, absorve grande quantidade de água e se desestrutura. A terra encharcada desliza montanha abaixo e arrasta árvores e construções que estiverem pela frente, fenômeno chamado de corrida de lama.
“Em Minas, as rochas são de embasamento cristalino e a configuração topográfica é diferente das regiões de Serra do Mar. A declividade é menor, os morros são mais suaves e os solos, mais espessos”, diz Edilson.
Mas o especialista destaca que a ocupação desordenada das áreas é mais grave do que a fragilidade do solo. Para ele, a desordem habitacional deixa os locais sujeitos a deslizamentos.
Na capital mineira, levantamento do Programa Estrutural em Área de Risco (Pear), da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel), aponta que pelo menos 20 mil pessoas vivem em áreas consideradas de risco, em aproximadamente 3,8 mil imóveis. A Região do Barreiro é a mais crítica e tem 651 moradias construídas em locais classificados como “risco alto de deslizamento”. Só na Vila Cemig, são 104 moradias. No Aglomerado da Serra, há 336 imóveis na mesma situação.
Grande BH marcada por soterramentos
Uma das maiores tragédias na Grande BH registradas em decorrência das chuvas aconteceu em 1999, em Contagem. Uma avalanche de lama matou 36 pessoas e soterrou 400 barracões. Sessenta e três pessoas ficaram feridas e 1.700 desabrigadas. Os barracos ficavam em um vale, tendo de um lado, ao alto, um enorme galpão da M. Martins Estruturas Metálicas. Laudo do Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec-MG) anexado aos autos revelou que a causa do acidente foi um aterro feito pela empresa com o objetivo de aumentar o pátio de depósito.
Quatro anos depois, a tragédia foi registrada no Morro das Pedras, Zona Oeste de Belo Horizonte.
As fortes chuvas provocaram um deslizamento de terra que matou nove pessoas de uma mesma família. Dormiam no barraco, na hora do desabamento, Cirando Caldeira Santos, 19 anos, e os irmãos Samira, 13 anos, Jéssica, 11 anos, Felipe, 10 anos, Samuel, 9 anos, Ana Carolina, 7 anos, além dos primos Cleiton Ferreira Santos, 6 anos, Kessi Jones, 5 anos, Jeferson, 3 anos. Os primos viviam com a família de Antônio José Laurindo, na época.
No mesmo ano, um cenário de destruição tomou conta da Vila Nossa Senhora de Fátima, no Aglomerado da Serra, Na Região Centro-Sul de BH, onde quatro pessoas morreram soterradas e pelo menos 40 ficaram desabrigadas. Uma das principais áreas de risco de BH, o Taquaril, na Região Leste, também foi palco de desabamentos de casas e deslizamentos de encostas, que deixaram pelo menos duas pessoas mortas e quatro feridas.
Também em Contagem, na Vila Pedreira Santa Rita, 12 pessoas de uma mesma família foram soterradas por um barranco que desabou sobre três casas. Entre os cinco mortos, uma criança de dois anos.
Mapeamento nacional sai em 2 anos
O mapeamento de áreas de risco no Brasil deve ficar pronto em dois anos. O trabalho é desenvolvido pelo Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres da Universidade Federal de Santa Catarina (Ceped/UFSC), em parceria com a Secretaria Nacional de Defesa Civil. O andamento do projeto foi apresentado no último dia 17 ao ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho.
O Planejamento Nacional para Gestão de Riscos (PNGR) teve início em outubro do ano passado e foi dividido em três etapas: levantamento e diagnóstico; método de trabalho de campo; e desenvolvimento e capacitação. Ele propõe ainda a criação de um Sistema Integrado de Informações, o S21. Também fazem parte dos estudos temas como reconhecimento das ameaças, suscetibilidade de inundações e séries históricas de eventos.
O levantamento de dados foi concluído no Centro-Oeste do país; 90% no Sul e Nordeste; 80% no Norte e 20% no Sudeste. Na região onde o trabalho foi finalizado resta o cruzamento dos dados para indicação das áreas de risco.
Durante o encontro com o ministro, foi debatida a criação de um Sistema Nacional de Prevenção e Alerta para estruturar os sistemas de desastres naturais em operação atualmente. O sistema, que contará com novos radares e um Centro Nacional de Prevenção, será coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. A Secretaria Nacional de Defesa Civil será o principal usuário das informações. O custo de implantação está previsto em R$ 480 milhões.
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